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quarta-feira, 17 de setembro de 2025

Mosteiro de São Bento em Monte Cassino - Um antigo farol de fé no Ocidente

 I. - A Abadia de Montecassino: Um Farol de Fé e Resiliência na História Europeia

A Abadia de Monte Cassino, erguida no topo de uma colina rochosa no Lácio, Itália, é mais do que um mosteiro; é um símbolo de fé, resiliência e a duradoura influência do monasticismo beneditino. Sua história é um tecido complexo de devoção, destruição e reconstrução, que ecoa os altos e baixos da própria civilização europeia.

Abadia de Monte Cassino, foto de   em dreamstime.com


II. As origens da Abadia


A história de Monte Cassino começa com São Bento de Núrsia, que por volta de 529 d.C., estabeleceu ali seu primeiro mosteiro. Após um período de eremitismo e a organização de comunidades monásticas em Subiaco, Bento buscou um local onde pudesse codificar e difundir sua visão de vida monástica. Monte Cassino, com sua localização estratégica e afastamento do burburinho mundano, era o lugar ideal.

Regras de São Bento, amazon.com

Aqui, São Bento escreveu a Regra de São Bento (Regula Benedicti), um conjunto de preceitos para a vida monástica que viria a moldar o monasticismo ocidental por séculos. A Regra enfatizava:
  • Ora et Labora (Ora e Trabalha): Uma vida equilibrada entre oração, estudo e trabalho manual.
  • Estabilidade: A permanência dos monges em um mesmo mosteiro, promovendo um senso de comunidade e propósito.
  • Obediência: A submissão à autoridade do abade, visto como pai espiritual.
  • Pobreza e Castidade: Votos essenciais para uma vida dedicada a Deus.
A influência da Regra de São Bento foi imensa. Ela forneceu um modelo prático e moderado para a vida comunitária, que se espalhou por toda a Europa. Durante a Idade Média, os mosteiros beneditinos tornaram-se centros de aprendizado, bibliotecas, hospitais e refúgios culturais, preservando o conhecimento clássico durante períodos de instabilidade e contribuindo significativamente para a evangelização e a formação cultural do continente. Monte Cassino, como o berço dessa tradição, é considerado a célula-mãe de toda a ordem beneditina.


III. Resumo da História de São Bento

A história de São Bento de Núrsia (c. 480 – 547 d.C.), pai do monasticismo ocidental, é a de um homem que, em meio à desordem do Império Romano em declínio, buscou um caminho de vida dedicado a Deus, estabelecendo as bases para uma das instituições mais duradouras da civilização europeia.

São Bento, pintura de Castrillo, disponivel em 
 https://www.joseluiscastrillo.com/en/venta-de-cuadros


III.1. Vida em Roma e a Busca por Oração

Bento nasceu em Núrsia, na Úmbria, em uma família nobre. Ainda jovem, foi enviado a Roma para estudar. Contudo, a vida da cidade, com sua imoralidade e superficialidade, desiludiu-o profundamente. Ele sentiu um forte chamado para uma vida de maior profundidade espiritual e dedicação a Deus, percebendo que os valores mundanos não poderiam satisfazer sua alma. Assim, decidiu abandonar os estudos e a promissora carreira que a sociedade romana lhe oferecia.

III.2. O Eremitismo e a Retirada para a Solidão

Afastando-se de Roma, Bento buscou um local de retiro e oração. Sua primeira parada foi Affile, onde realizou seu primeiro milagre, consertando uma peneira quebrada para sua ama. Logo depois, movido por um desejo de solidão ainda maior, retirou-se para uma caverna em Subiaco, nos Montes Apeninos. Ali, ele viveu por cerca de três anos como um eremita, totalmente isolado do mundo, com a ajuda de um monge chamado Romano, que lhe fornecia pão e água. Este período de intensa ascese e oração solitária foi fundamental para seu amadurecimento espiritual e para a compreensão de sua vocação.

gruta de São Bento em Subiaco, foto de
https://www.cloisterseminars.org/blog/2016/6/22/st-benedicts-cave


III.3. O Tempo em Subiaco e as Primeiras Comunidades

A fama da santidade de Bento começou a se espalhar. Monges de um mosteiro próximo, em Vicovaro, o convidaram para ser seu abade. Ele aceitou, mas logo se viu em conflito com os monges que não aceitavam sua disciplina rigorosa e chegaram a tentar envenená-lo. Bento os deixou e retornou à solidão de Subiaco, mas não por muito tempo.

Abadia de Subiaco, foto de em dreamstime.com


Discípulos começaram a se reunir em torno dele, atraídos por seu exemplo e seus ensinamentos. Para organizar essa crescente comunidade, Bento fundou doze pequenos mosteiros em Subiaco, cada um com um abade e doze monges. Este foi o primeiro passo para a vida cenobítica (comunitária) que ele viria a promover.

III.4. A Decisão por Monte Cassino

Apesar do sucesso de suas fundações em Subiaco, Bento enfrentou hostilidades de um sacerdote local, o invejoso Florêncio, que chegou a tentar sabotar sua obra e a vida de seus monges. Buscando paz e um local onde pudesse desenvolver sua visão monástica sem perturbações, Bento tomou uma decisão crucial: deixar Subiaco. Com um grupo de discípulos, ele partiu para o sul da Itália.


III.5. A Vida em Monte Cassino e a Fundação do Mosteiro

Por volta de 529 d.C., Bento chegou ao Monte Cassino, uma colina estratégica na região do Lácio, a meio caminho entre Roma e Nápoles. No local, havia um antigo templo pagão de Apolo e um bosque dedicado a Vênus. Bento e seus monges destruíram os ídolos, cortaram o bosque e, sobre as ruínas pagãs, ergueram um oratório e, em seguida, o grande mosteiro.

Foi em Monte Cassino que São Bento consolidou sua visão de vida monástica, culminando na escrita da Regra de São Bento (Regula Benedicti). Esta Regra, com sua ênfase no "Ora et Labora" (Ora e Trabalha), na vida comunitária equilibrada, na obediência ao abade e na estabilidade, tornou-se o modelo para milhares de mosteiros em toda a Europa. Monte Cassino não foi apenas o local de sua morte e sepultamento, mas o berço do monasticismo beneditino, um centro de cultura, oração e trabalho que influenciaria profundamente a civilização ocidental por séculos.


IV. Localização Estratégica


A Abadia de Monte Cassino está localizada a cerca de 130 km ao sul de Roma, na região do Lácio, Itália. Situada no topo de uma colina com aproximadamente 520 metros de altitude, ela domina o vale do rio Liri e a antiga Via Casilina. Sua posição geográfica não apenas oferecia isolamento espiritual, mas também uma vantagem militar estratégica, o que, ironicamente, a tornaria alvo de diversas destruições ao longo da história.

V. Histórico de Construções e Destruições


A história de Monte Cassino é marcada por um ciclo dramático de ruína e renascimento, testemunho da sua importância e da tenacidade de seus monges:

Primeira Destruição (577 d.C.) - Evento: Invasão Lombarda:

Contexto: Após a morte de São Bento e a disseminação de sua Regra, a abadia prosperou por algumas décadas. No entanto, o século VI foi um período de grandes migrações e invasões na Itália. Os lombardos, um povo germânico, invadiram a península, saqueando e destruindo muitas cidades e assentamentos. Monte Cassino foi atacado e seus monges foram forçados a fugir para Roma, levando consigo o corpo de São Bento (ou o que acreditavam ser). A abadia permaneceu em ruínas por mais de um século.

Segunda Destruição (883 d.C.) - Evento: Ataque Sarraceno:

Contexto: No século IX, após sua reconstrução e um novo período de florescimento sob a liderança de abades como Gisulfo e Bertário, Monte Cassino se tornou novamente um farol cultural e religioso. Contudo, o Mediterrâneo era então assolado por piratas sarracenos (muçulmanos do Norte da África) que realizavam incursões em busca de saques. Em 883, eles atacaram a abadia, queimando-a e matando muitos monges, incluindo o abade Bertário. A abadia foi novamente abandonada por décadas.


Terceira Destruição (1349 d.C.) - Evento: Terremoto 


Contexto: Após a segunda destruição, Monte Cassino foi reconstruída e atingiu seu apogeu na Idade Média, tornando-se um centro de copismo, arte e erudição, com uma biblioteca lendária. No entanto, em 1349, um violento terremoto atingiu o centro da Itália, causando grandes danos à estrutura da abadia. Embora não tenha sido uma destruição total como as anteriores, exigiu extensos trabalhos de reconstrução e renovação.

Quarta Destruição (1944 d.C.) - Evento: Segunda Guerra Mundial (Batalha de Monte Cassino): 

Contexto: Esta foi a mais famosa e devastadora destruição. Durante a Segunda Guerra Mundial, Monte Cassino estava na Linha Gustav, uma série de fortificações alemãs que impedia o avanço aliado para Roma. Embora os Aliados soubessem que a abadia era um monumento histórico e não um alvo militar direto (e os alemães jurassem não a estar usando para fins militares), a intensa resistência alemã na colina circundante levou os comandantes aliados a suspeitar que a abadia estava sendo usada como posto de observação. 

Em 15 de fevereiro de 1944, a abadia foi bombardeada maciçamente pela Força Aérea Aliada. O bombardeio matou muitos refugiados que ali buscaram abrigo e a transformou em ruínas. Ironia trágica, após o bombardeio, as tropas alemãs realmente usaram os escombros como posições defensivas impenetráveis. A abadia foi completamente destruída, mas seus tesouros mais valiosos, incluindo manuscritos e obras de arte, haviam sido prudentemente removidos pelos monges e pela administração alemã antes do ataque.

Abadia de Monte Cassino pos bombardeio, fonte: arquivo governo alemão

Após a Segunda Guerra Mundial, a abadia foi reconstruída "onde estava e como era" (dov'era e com'era) através de um monumental esforço liderado pelo abade Ildefonso Rea e pelo governo italiano. A reconstrução foi concluída em 1964.


VI. Desdobramentos do Mosteiro de Monte Cassino p/Ocidente

A fundação da Abadia de Monte Cassino e a codificação da Regra de São Bento representaram um divisor de águas para a vida monástica no Ocidente, estabelecendo um modelo que rapidamente se tornaria dominante e profundamente influente.

Impactos na vida monástica

A Regra de São Bento trouxe uma padronização e um equilíbrio inovadores:

  • Padronização e Moderação: 
  • Ênfase no Cenobitismo Estruturado: 
  • O Equilíbrio "Ora et Labora": 
  • Estabilidade de moradia nos locais (Stabilitas Loci): 
  • A Figura do Abade: 
  • Preservação e Promoção do Conhecimento - Cópias de documentos: 
  • Modelo de Evangelização e Civilização das populações pós-romanas: 

  • No começo a regra de São Bento conviveu com outras regras para mosteiros como a de São Columbus. Foi no século IX, sob o imperador Carlos Magno e, especialmente, seu filho Luís, o Piedoso, com a figura de São Bento de Aniane, que a Regra de São Bento foi imposta como a única regra monástica oficial no Império Carolíngio. 

    Isso levou à adoção generalizada da Regra em centenas de mosteiros em toda a Europa. Abadias como Corvey, Fulda, Reichenau, St. Gall (originalmente influenciadas pela tradição irlandesa, mas que se converteram à Regra Beneditina), entre muitas outras, floresceram sob essa uniformidade.

    Abadia de Cluny: Embora seja uma reforma posterior, a Abadia de Cluny, fundada em 910, foi crucial para a revitalização do monasticismo beneditino e a difusão de uma versão estrita da Regra, dando origem a uma vasta rede de mosteiros filiados que dominou a vida religiosa europeia por séculos.


    VII. Principais Pontos de Visitação da Abadia de Monte Cassino nos dias atuais;

    A abadia reconstruída é um testemunho da fé e da história, e oferece aos visitantes uma experiência profunda:

    1. Claustros de Entrada, Escadaria: Ingresso e Bramane: Os claustros de Monte Cassino são elementos arquitetônicos e espirituais fundamentais que guiam o visitante através da história e da vida monástica da abadia. 

    a) Claustro de IngressoO Claustro de Ingresso é o primeiro espaço monástico formal que o visitante encontra ao chegar à Abadia de Monte Cassino, geralmente após subir a rampa que leva ao nível principal da abadia. Ele serve como uma transição vital do mundo exterior para o coração sagrado do mosteiro. Apresenta arcadas abertas que enquadram vistas espetaculares do vale do Liri e das montanhas circundantes, proporcionando uma primeira impressão da majestade e da localização estratégica de Monte Cassino. 

    b) Claustro de Bramane: Historicamente, e ainda hoje, os claustros servem como o centro da vida monástica. É um local para procissões, meditação, leitura, estudo e a principal via de acesso entre os diversos edifícios da abadia, oferecendo um refúgio de tranquilidade e contemplação. É caracterizado por elegantes arcadas sustentadas por colunas robustas, dispostas em dois andares, criando um ritmo visual e uma sensação de ordem.

    c) Escadaria e Estátuas de São Bento e Santa Escolástica: A abadia não é acessada diretamente no nível do solo. Após estacionar ou desembarcar, o visitante deve subir uma imponente e ampla escadaria de pedra que conduz ao nível principal da abadia. Esta escadaria, por si só, é uma obra arquitetônica significativa, projetada para impressionar e simbolizar a ascensão espiritual.


    No início da monumental escadaria, logo antes de se chegar ao nível do Claustro de Ingresso (ou Claustro do Fórum), estão situadas as estátuas majestosas de São Bento e sua irmã, Santa Escolástica. Elas flanqueiam a entrada principal para o pátio interno da abadia, funcionando como guardiões e acolhedores do mosteiro que eles fundaram e inspiraram.



    2. Basílica Catedral: O coração da abadia, magnífica em seu estilo barroco, reconstruída fielmente após a guerra. Abriga o túmulo de São Bento e de sua irmã, Santa Escolástica, bem como os restos mortais de outros abades e benfeitores. Seus mosaicos e afrescos são espetaculares.

    3. Cripta: Abaixo do altar-mor, a cripta original do século XI foi restaurada. É um local de profunda veneração, com afrescos impressionantes que datam de diferentes períodos e um ambiente de paz e contemplação.

    4. - Museu da Abadia: Localizado no lado sul do mosteiro, o museu exibe artefatos históricos, manuscritos medievais (alguns originais da biblioteca de Monte Cassino que sobreviveram às destruições), arte sacra, e documentos que narram a longa história da abadia, incluindo fotografias da devastação da Segunda Guerra Mundial.

    5. Claustros: Os outros cluastros como  o Claustro do Benefício, oferecem uma arquitetura impressionante e vistas panorâmicas do vale. São locais ideais para um momento de reflexão.

    6. Cemitério Polonês: Pouco antes de chegar à abadia, em uma encosta próxima, encontra-se o Cemitério Militar Polonês. É o local de descanso final de milhares de soldados poloneses que morreram heroicamente durante a Batalha de Monte Cassino na Segunda Guerra Mundial. É um local solene e comovente, que presta homenagem ao sacrifício daqueles que lutaram pela liberdade.

    7. Vistas Panorâmicas: Do alto da colina, as vistas do vale circundante são de tirar o fôlego, permitindo aos visitantes apreciar a beleza natural da região e a localização estratégica da abadia.


    VIII. - Referências



    IX. - Outras publicações



    quinta-feira, 21 de agosto de 2025

    Fez, a capital imperial do Marrocos

     1. - Introdução - A Fundação de Fez e Seus Primeiros Habitantes


    Antes mesmo da chegada do Islã, a região onde Fez floresceria já era habitada por diversas tribos berberes, como os Sanhaja, Zenata e Masmouda. Essas comunidades viviam em assentamentos dispersos, aproveitando as terras férteis do vale do rio Fez. Não havia, contudo, uma cidade unificada ou um grande centro urbano como o que viria a ser construído.

     Visão geral de Fez, foto de @Devy em dreamstime.com

    A história de Fez como a conhecemos começa com a chegada da Dinastia Idrisid.


    2. - Resumo Histórico


    2.1 - Dinastia Idrisid (789 - 974 d.C.): O Nascimento da Capital Espiritual

    Após a Revolução Abássida (750 d.C.), que derrubou os Omíadas e estabeleceu o Califado Abássida em Bagdá, os descendentes de Ali ibn Abi Talib (genro e primo do Profeta Maomé, e quarto califa do Islão), conhecidos como Alids, foram vistos como uma ameaça ao novo poder. Os Abássidas temiam que os Alids, por sua linhagem sagrada, pudessem reunir apoio e contestar sua legitimidade.

    Um evento crucial foi a revolta Alid em Meca, que resultou na brutal Batalha de Fakhkh. Muitos Alids foram massacrados, e os que sobreviveram tiveram que fugir para escapar à perseguição.

    Entre os poucos sobreviventes estava Idris ibn Abd Allah al-Kamil, um descendente direto de Hasan, neto do Profeta Maomé. Para salvar sua vida e a linhagem de sua família, Idris I fugiu do Oriente Médio, atravessando o Egito e o Magrebe (norte da África).

    A Escolha do Marrocos e a Ascensão de Idris I

    Idris I encontrou refúgio na região do Magrebe, que na época era um mosaico de tribos berberes diversas e independentes, muitas das quais haviam abraçado o Islam, mas mantinham uma forte autonomia local. O poder abássida no Magrebe era fraco e descontínuo, e havia diversas rebeliões e movimentos sectários.

    Abertura Política: Essa fragmentação e a distância de Bagdá tornavam o Magrebe um local ideal para Idris I estabelecer um novo centro de poder independente.

    Apoio Berber: Ele foi acolhido pela poderosa tribo berbere Awraba, que residia perto da antiga cidade romana de Volubilis (Walili, em árabe). Reconhecendo sua linhagem sagrada e seu carisma, os Awraba, liderados por Abu al-Hassan Musa ibn Abi al-Afia, o proclamaram Imã em 789 d.C.

    Bérbere no deserto, foto HistoriacomGosto


    Legitimidade Religiosa: A descendência de Idris I do Profeta Maomé conferia-lhe uma imensa autoridade religiosa (baraka), o que foi fundamental para sua aceitação e para a unificação das tribos berberes sob sua liderança. Ele se apresentou como um líder justo e piedoso, capaz de trazer ordem e uma forma "pura" do Islão.

    A Razão Principal para a Escolha do Local de Fez (e o papel de Idris II)

    Idris I iniciou a construção de um assentamento na margem direita do rio Fez, conhecido como Madinat Fas (Cidade de Fez). No entanto, o verdadeiro arquiteto da cidade como uma grande capital foi seu filho e sucessor, Idris II.

    Idris I foi assassinado em 791 d.C., supostamente por envenenamento a mando do califa abássida Harun al-Rashid. Seu filho, Idris II, nasceu pouco depois e assumiu o trono ainda criança. Ao atingir a maioridade, Idris II, com sua visão e energia, percebeu que precisava de uma capital que refletisse a ambição de sua nova dinastia e servisse como um centro estratégico e econômico.

    A escolha do local para Fez, mais especificamente, foi motivada por várias razões cruciais:

    Abundância de Água: O Oued Fez (Rio Fez), com seus afluentes e fontes, garantia um suprimento constante e abundante de água potável para a população e para a irrigação das terras agrícolas circundantes. A água era vital para o crescimento de uma grande cidade, especialmente em uma região semiárida.

    Oued Fez (Rio Fez), foto https://ouedaggai.com/


    Solo Fértil: O vale do rio Fez possuía terras férteis, ideais para a agricultura, o que garantiria o sustento da população e o desenvolvimento econômico baseado na produção de alimentos. 

    Posição Estratégica e Defensável: O local oferecia uma posição naturalmente defensável, rodeada por colinas. Essa topografia facilitava a construção de muralhas e a proteção contra ataques. 

    Muralhas em Fez, foto de© Typhoonski em dreamstime.com


    Além disso, Fez estava localizada em um ponto de intersecção de rotas comerciais importantes:

    Recursos Naturais para Construção: A região oferecia argila, madeira e pedras, materiais essenciais para a construção das habitações, mesquitas, mercados e infraestruturas necessárias para uma cidade em crescimento.

    Visão de Idris II: Idris II não se contentou com um simples assentamento. Ele tinha a visão de construir uma verdadeira metrópole, um centro político, econômico, religioso e cultural que rivalizasse com as grandes cidades do Oriente. Em 808 d.C., ele fundou uma segunda cidade na margem esquerda do rio, Al-Aliya, incentivando ativamente a migração de artesãos, comerciantes, estudiosos e famílias muçulmanas de Kairouan (atual Tunísia) e, crucialmente, de Al-Andalus (Península Ibérica).

    - Os imigrantes de Al-Andalus se estabeleceram predominantemente na margem esquerda (Al-Aliya), que ficou conhecida como "Adwat al-Andalus" (bairro dos Andaluzes).

    - Os imigrantes de Kairouan e outras partes do Magrebe se estabeleceram na margem direita (Madinat Fas), conhecida como "Adwat al-Qarawiyyin" (bairro dos Kairuaneses).

    - Essa imigração trouxe consigo um vasto conhecimento em arquitetura, urbanismo, artesanato, teologia e comércio, impulsionando o desenvolvimento e a sofisticação da cidade.
     
    • Desenvolvimentos Significantes:

    - A criação de Fez marcou o nascimento da primeira capital islâmica do Marrocos, um centro de poder e fé.

    - Em 859 d.C., duas irmãs, Fatima al-Fihri e Mariam al-Fihri, filhas de um rico comerciante tunisiano, fundaram instituições que mudariam Fez: Fatima fundou a Universidade de Al-Qarawiyyin (inicialmente uma mesquita e centro de ensino) e Mariam a Mesquita de Al-Andalus.

    Al-Qarawiyyin é reconhecida hoje como a universidade mais antiga do mundo ainda em funcionamento, solidificando a importância de Fez como um farol do saber islâmico.

    Universidade de Al-Qarawiyyin, foto de Momed.salhi em wikimedia commons


    A fundação dos Idrisid representou uma secessão do poder abássida, estabelecendo um califado independente no oeste islâmico.


    2.2 - O Período Zenata (Séculos X e XI): Fragmentação e Disputa


    Após a queda dos Idrisid, Fez entrou em um período de instabilidade. A cidade tornou-se um ponto de disputa entre as grandes potências regionais da época: o Califado Fatímida (do Egito) e o Califado Omíada de Córdoba (na Península Ibérica).

    Fez trocou de mãos várias vezes, e o poder foi frequentemente exercido por chefes tribais locais  Zenata, resultando em um período de relativa estagnação em termos de grandes construções, com foco maior em fortificações.

    2.3 Dinastia Almorávida (1061 - 1146 d.C.): Unificação e Expansão


    Os Almorávidas unificaram as duas partes de Fez (Fas al-Bali e Al-Aliya), derrubando as muralhas internas que as dividiam. 

    Eles fortaleceram as muralhas externas da cidade, construíram novas pontes e renovaram a infraestrutura urbana, preparando Fez para se tornar uma metrópole de um vasto império. 

    A cidade prosperou como um centro comercial e intelectual dentro do império Almorávida, que se estendia desde o Senegal até a Península Ibérica.

    A conquista de Fez pelos Almorávidas foi parte de um movimento maior de unificação e expansão do seu império.                  

    Lanceiro Almoravida, 
    gravura de ru.pinterest.com

    2.4 - Dinastia Almóada (1146 - 1248 d.C.): 


    Os Almóadas, com sua doutrina religiosa mais rigorosa, destruíram muitas das construções almorávidas que consideravam contrárias aos seus princípios. 

    Eles reconstruíram e reforçaram significativamente as muralhas de Fez, dando-lhes a monumentalidade que ainda é visível hoje. 

    Embora a capital do império Almóada tenha sido transferida para Marrakech, Fez manteve sua importância como um centro religioso e intelectual, um bastião da ortodoxia e do saber.

    Califa Almoada, autor não identificado

     
    A conquista Almóada de Fez foi marcada por um cerco violento, que resultou em grande destruição antes da sua subjugação.

    2.5 - Dinastia Merínida (1248 - 1465 d.C.): A Idade de Ouro Imperial de Fez


    Os Merínidas fizeram de Fez a sua capital imperial, inaugurando o que muitos consideram a "Idade de Ouro" da cidade.

    Em 1276, Abu Yusuf Yaqub fundou Fes el-Jdid (Nova Fez), adjacente à antiga medina (Fez al-Bali). Esta nova cidade incluía o majestoso Palácio Real, o Mellah (bairro judeu, inicialmente estabelecido pelos Almóadas, mas expandido pelos Merínidas) e uma grande mesquita, tudo protegido por novas muralhas.

    Os Merínidas foram grandes patronos da educação e da arquitetura, construindo inúmeras e belíssimas madrassas (escolas corânicas) que ainda hoje são maravilhas arquitetónicas de Fez: Madrassa Bou Inania, Madrassa Attarine, Medersa Sahrij e Madrassa Saffarine, entre outras. Fez tornou-se o epicentro do saber islâmico no Magrebe.

    Houve um grande desenvolvimento urbano, comercial e cultural, com a cidade atraindo estudiosos, comerciantes e artesãos de todo o mundo islâmico. 

    A ascensão dos Merínidas consolidou seu poder sobre o Marrocos e Fez, mas também foi marcada por confrontos com os reinos cristãos na Península Ibérica, que contribuíram para o aumento da população de judeus e muçulmanos andaluzes em Fez.


    2.6 - Dinastia Wattásida (1465 - 1549 d.C.): Declínio e a Presença Portuguesa


    Houve um enfraquecimento do poder central e disputas internas. 

    O tempo com os Portugueses: Embora Fez não tenha sido conquistada ou ocupada diretamente pelos portugueses, este período foi marcado pela intensa expansão portuguesa no litoral marroquino. Cidades costeiras como Ceuta, Tânger, Arzila, Safim, Azemmour e Mazagão foram ocupadas ou fortificadas por Portugal. Essa presença gerou grande pressão econômica e militar sobre o reino de Fez. Os Wattásidas tentaram, com pouco sucesso, resistir a esse avanço, o que enfraqueceu ainda mais sua autoridade e abriu caminho para uma nova dinastia.


    2.7 - Dinastia Saadiana (1549 - 1659 d.C.): Renascimento e Vitórias Decisivas


    Os Saaditas unificaram o Marrocos, expulsando os Wattásidas. Embora Fez tenha perdido seu status de capital principal para Marrakech durante parte do seu reinado, a cidade continuou a ser um importante centro cultural e religioso.

    Eles investiram na construção de fortificações para proteger o reino, inclusive Fez, contra a crescente ameaça otomana e cristã.

    O comércio transaariano, especialmente de ouro, prosperou sob os Saaditas.

    A Batalha de Alcácer-Quibir (ou Batalha dos Três Reis) em 1578 foi um evento definidor. Nela, as forças Saadianas, com algum apoio otomano, derrotaram decisivamente o exército português e seu rei D. Sebastião, que morreu em combate. Esta vitória não apenas cimentou a independência marroquina, mas também encerrou as ambições portuguesas de dominar o Marrocos e marcou um período de grande prestígio para a dinastia Saadiana.

    2.8 - Dinastia Alaouite (1666 d.C. - Presente): A Dinastia Reinante

    Após um período de anarquia que se seguiu à queda dos Saaditas, os Alaouites emergiram para restaurar a unidade do Marrocos. Fez alternou como capital com Meknès e, mais tarde, Rabat. 

    A dinastia Alaouite tem sido a guardiã do patrimônio religioso e cultural de Fez, mantendo e renovando suas mesquitas e medersas. 

    A cidade continuou a ser um polo de educação islâmica e de artesanato tradicional. 

    A ascensão dos Alaouites marcou o fim da anarquia e o início de uma nova era de estabilidade relativa. A dinastia resistiu a várias tentativas de invasão europeia ao longo dos séculos.

    2.9 - Protetorado Francês e Independência (1912 - 1956): Modernização e Luta Nacionalista


    Em 1912, o Tratado de Fez foi assinado na cidade, estabelecendo oficialmente o Protetorado Francês sobre o Marrocos, o que trouxe profundas mudanças políticas e sociais.  

    O tratado deu à França o direito de ocupar certas partes do país com o pretexto de proteger o sultão da oposição interna e de manter as rédeas reais do poder, preservando a máscara de governo indireto composta pelo sultão e pelo governo xarifiano. Segundo os termos, o Residente-Geral francês detinha poderes absolutos em assuntos externos e internos e era o único capaz de representar Marrocos em países estrangeiros. O sultão, no entanto, manteve o direito de assinar os decretos (dahirs), que foram submetidos pelos Residentes-Gerais.

    Foi durante este período que se construiu a "Ville Nouvelle" (Cidade Nova) fora das muralhas da medina, com infraestruturas modernas, estradas e edifícios de estilo europeu, separada da antiga Fez (Fes al-Bali), que foi preservada como um monumento histórico.  

    Houve muitas reações em Fez e ela perdeu seu status de capital política para Rabat, que se tornou a sede administrativa do protetorado.  

    foto de wikipedia.com



    A ocupação colonial impulsionou o crescimento do movimento nacionalista marroquino, que culminou na independência do país em 1956.

    2.10 - Marrocos Independente (1956 - Presente): Preservação e Continuidade


    Após a independência, Fez manteve sua importância como um centro cultural, religioso e espiritual.

    Em 1981, a medina de Fes al-Bali foi classificada como Patrimônio Mundial da UNESCO, reconhecendo seu valor histórico e arquitetônico inestimável. Desde então, tem havido um esforço contínuo para a preservação e restauração de seus monumentos.

    A cidade continua a ser um centro vibrante de artesanato, educação e turismo, atraindo visitantes de todo o mundo que buscam mergulhar em sua história milenar.

    O atual rei do Marrocos, Mohamed VI, é da dinastia Alauita,
    foto Morocco world news

    3. - A Fez de Hoje, o que ver e visitar


    3.1. Universidade e Mesquita de Al-Qarawiyyin


    Construção: Fundada em 859 d.C. por Fatima al-Fihri, inicialmente como uma mesquita. Evoluiu ao longo dos séculos para se tornar uma universidade.

    Governantes na Época: Dinastia Idrisid.

    Mesquita e Universidade de Al-Qarawiyyin, foto @Saiko3p em Dreamstime.com


    Importância: É considerada a universidade mais antiga do mundo ainda em operação, segundo a UNESCO e o Guinness World Records. Foi um dos maiores centros intelectuais e religiosos do mundo islâmico, atraindo estudantes e estudiosos de todas as partes. Sua biblioteca abrigava manuscritos preciosos. É o coração espiritual e educacional de Fez.

    Estado Atual: A mesquita continua ativa e é um local de oração importante. A universidade moderna, embora separada, mantém a tradição de ensino islâmico. Não muçulmanos não podem entrar na sala de orações principal da mesquita, mas podem admirar o pátio e o exterior através das portas abertas.

    3.2. Madrassa Bou Inania


    Construção: Construída entre 1350 e 1357 d.C.

    Governantes na Época: Sultão Abu Inan Faris, da Dinastia Merínida.

    Importância: É uma das madrassas (escolas corânicas) mais magníficas de Fez, e a única com um minarete. Sua arquitetura é um ápice da arte merínida, com trabalhos em estuque esculpido, madeira de cedro entalhada, azulejos zellige intrincados e caligrafia árabe. Serviu tanto como escola quanto como mesquita.

    Madrassa Bou Inania, foto © Saiko3p  em dreamstime.com


    Estado Atual: Foi restaurada e está muito bem preservada. É aberta a visitantes (não muçulmanos podem entrar), que podem admirar os detalhes impressionantes e a tranquilidade de seu pátio.

    3.3 Madrassa Al-Attarine


    Construção: Construída entre 1323 e 1325 d.C.

    Governantes na Época: Sultão Abu Said Uthman II, da Dinastia Merínida.

    Importância: Nomeada em homenagem aos vendedores de especiarias (attarine) na souk adjacente, esta madrasa é um exemplo sublime da arquitetura merínida. Menor que a Bou Inania, é igualmente impressionante por seus detalhes minuciosos em mármore, cedro e azulejos. Reflete a riqueza cultural e o apreço pela educação dos Merínidas.

    Madrassa Al-Atarine, foto © Saiko3p  em dreamstime


    Estado Atual: Restaurada e aberta ao público. É uma das madrassas mais visitadas e admiradas por sua beleza e atmosfera íntima.

    Madrassa Al-Atarine, foto HistoriacomGosto

    Madrassa Al-Atarine, foto  HistoriacomGosto

    3.4. Curtumes Chouara


    Construção: Datam do século XI (período Almorávida), mas com técnicas e estruturas que foram desenvolvidas ao longo dos séculos.

    Curtumes_Fez, foto HistoriacomGosto


    Governantes na Época: Continuamente em uso através das diversas dinastias, representando uma tradição ancestral.

    ImportânciaSão os maiores e mais antigos curtumes do mundo, onde o couro é processado da forma mais tradicional, usando corantes  naturais e métodos seculares. É uma experiência sensorial única (e olfativa!) que demonstra a resiliência das tradições artesanais de Fez.

    Estado Atual: Operacional diariamente, com os trabalhadores processando o couro da mesma maneira há séculos. Os visitantes podem observar o processo dos terraços das lojas de couro circundantes.

    3.5. Bab Bou Jeloud (A Porta Azul)


    Construção: A porta atual foi construída em 1913, mas substitui uma porta mais antiga que já existia no mesmo local desde o período Merínida.

    Governantes na Época: Período do Protetorado Francês, mas em um local de importância histórica para as dinastias anteriores.

    Importância: É o principal portão de entrada para a Medina de Fez al-Bali. Sua fachada azul (voltada para o exterior) e verde (voltada para o interior) é icônica e representa a transição do mundo moderno para o labirinto histórico da medina. É um ponto de encontro e um marco visual da cidade.

    Porta Azul, foto HistoriacomGosto


    Estado Atual: Em excelente estado, funciona como o principal acesso à medina e é um dos locais mais fotografados de Fez.

    3.6 Museu Nejjarine de Artes e Ofícios em Madeira (Fondouk Nejjarine)


    Construção: O fondouk (estalagem para comerciantes e seus animais) original data do século XVIII.

    Governantes na Época: Dinastia Alaouite.

    Importância: Este edifício é um magnífico exemplo da arquitetura tradicional marroquina, com um pátio central e galerias de madeira intrincadamente esculpida. Antigamente, servia de pousada para comerciantes e artesãos. Hoje, abriga um museu dedicado à arte da madeira, desde ferramentas antigas a instrumentos musicais e objetos domésticos.

    Fondouk/Caravançarai, foto de Josep Renalias,
    licenciado por Wikipedia, Creative commons


    Estado Atual: Foi cuidadosamente restaurado e transformado em um museu. Está muito bem conservado e é um dos museus mais bonitos de Fez, com um café no terraço que oferece vistas da medina.

    3.7. Zaouia de Moulay Idriss II


    Construção: O santuário foi construído no século IX, mas a estrutura atual do mausoléu e mesquita data de várias reformas, sendo a principal no século XVIII.

    Governantes na Época: Diversas dinastias, com renovações significativas sob os Alaouites.

    Importância: Abriga o túmulo de Moulay Idriss II, o filho de Idris I e o verdadeiro fundador da cidade de Fez. É um dos locais mais sagrados do Marrocos, um ponto de peregrinação para muçulmanos que buscam bênçãos.

          Zaouia de Moulay Idriss II, foto de https://www.fez-guide.com/


    Estado Atual: É uma mesquita e santuário ativo, um local de grande devoção. Não muçulmanos não podem entrar no santuário principal, mas podem observar o movimento e a fachada elaborada.

    3.8. Fábrica de cerâmicas e vasos


    Importância: A cerâmica de Fez é uma das mais antigas e renomadas tradições artesanais do Marrocos, com raízes que remontam a séculos. Ela se destaca pela sua beleza, complexidade de design e a distintiva coloração azul cobalto, conhecida como "Azul de Fez", embora outras cores vibrantes também sejam utilizadas. A importância dessa arte reside não apenas na sua função utilitária e decorativa, mas também no seu papel como guardiã de técnicas ancestrais passadas de geração em geração. É um pilar da identidade cultural de Fez e do Marrocos.

    Fábrica de Mosaicos e Vasos, Foto HistoriacomGosto


    Fabricação e TécnicasO processo de fabricação da cerâmica de Fez é intensamente manual e exige grande perícia.
    • Matéria-prima: A argila de Fez é extraída de depósitos locais e é conhecida por sua qualidade. Ela é amassada, filtrada e preparada para garantir a maleabilidade e ausência de impurezas.
    • Modelagem: Os artesãos modelam os vasos, pratos, tigelas e outros objetos em rodas de oleiro tradicionais. A forma e simetria perfeitas são alcançadas através de anos de prática.
    Inserção de pedras coloridas, foto HistoriacomGosto
    • Secagem e Queima: As peças são secas naturalmente ao sol e depois queimadas em fornos tradicionais a lenha, que podem atingir altas temperaturas e dar à cerâmica sua durabilidade.
    • Decoração: Esta é talvez a fase mais característica. Após a primeira queima (bisque), as peças são pintadas à mão com intrincados padrões geométricos, arabescos e motivos florais. O "Azul de Fez" é obtido a partir de óxidos de cobalto.
    Pintura de prato, foto HistoriacomGosto
    • Vidrado e Segunda Queima: Uma camada de esmalte transparente é aplicada e as peças são queimadas novamente em temperaturas mais baixas, o que confere o brilho característico e fixa as cores.
    Produtos finais

    Mesa / Parede, foto HistoriacomGosto


    pratos e vasos, foto HistoriacomGosto


    paredes, foto HistoriacomGosto

     
    Governantes da Época:  Durante os períodos dos Idríssidas, Almorávidas, Almóadas e Merínidas, a cidade de Fez se estabeleceu como um centro de aprendizado e arte. Os governantes desses impérios frequentemente apoiavam e patrocinavam os artesãos, reconhecendo o valor cultural e econômico de suas obras.

    Estado Atual:  Atualmente, a indústria da cerâmica em Fez continua a ser um setor vital para a economia local e para a preservação cultural. Ainda existem inúmeras oficinas e fábricas, muitas delas localizadas nos arredores da medina de Fez, onde visitantes podem observar todo o processo de perto.

    3.9. Borj Nord (Fortaleza do Norte)


    Construção: Construída em 1582 d.C.

    Governantes na Época: Dinastia Saadiana.

    Importância: Esta fortaleza imponente foi construída para proteger a cidade e para controlar a população após a conquista Saadiana.

    Atualmente, abriga um museu de armas, com uma vasta coleção de armamentos que ilustram a história militar do Marrocos. A vista de suas muralhas é excelente.

    Fortaleza do Norte, foto de © Bendem em dreamstime.com


    Estado Atual: Bem preservada e transformada em museu, acessível ao público.

    Visão de Fez a partir do Forte, foto HistoriacomGosto

    3.10. Mellah (Bairro Judeu)

    • Construção: Estabelecido no século XIV, mas a maior parte das construções atuais data do século XVII em diante.
    • Governantes na Época: Dinastia Merínida (estabelecimento), e posterior desenvolvimento sob os Alaouites.
    • Importância: Fez abrigava uma das maiores e mais antigas comunidades judaicas do Marrocos. O Mellah é um testemunho da coexistência religiosa e da vibrante cultura judaica que floresceu na cidade por séculos. A arquitetura é distinta, com casas de varandas e janelas viradas para a rua, diferentemente das casas dentro da medina.
    Mellah (bairro judeu) de Fez, foto de © Leonid Andronov em dreamstime.com

    • Estado Atual: A maioria dos judeus deixou Fez, mas o bairro ainda existe, com sua arquitetura peculiar e algumas sinagogas e o cemitério judeu que podem ser visitados.

    3.11. Sinagoga Aben Danan

    • Construção: Datada do século XVII.
    • Governantes na Época: Dinastia Alaouite.
    • Importância: É a sinagoga mais proeminente e bem preservada do Mellah de Fez. Serve como um importante lembrete da rica herança judaica da cidade e da diversidade religiosa que caracterizou Fez por muitos séculos.
    Sinagoga Aben Danan, foto R Prazeres, wikimedia commons


    • Estado Atual: Restaurada e aberta para visitas, muitas vezes com um guardião que pode contar a história do local.

    3.12. Place Seffarine (Praça dos Caldeireiros/Cobreiros)

    • Construção: As oficinas e a praça existem há séculos, com a atividade se concentrando ali desde o período Merínida.
    • Governantes na Época: Atividade contínua através das dinastias.
    • Importância: É um dos poucos locais na medina onde se pode ver artesãos trabalhando o metal ao ar livre, criando peças de cobre e latão marteladas. O som dos martelos batendo no metal é característico. É um centro de artesanato vivo e autêntico.
    Praça Seffarine, foto de Om.rehlat.com

    • Estado Atual: Totalmente funcional, com oficinas ativas e lojas vendendo os produtos acabados. É um local vibrante e barulhento, cheio de energia.

    3.13. Dar Batha Museum

    • Construção: Final do século XIX.
    • Governantes na Época: Dinastia Alaouite, sob o reinado do Sultão Moulay Hassan I.
    • Importância: Originalmente um palácio, foi convertido em museu em 1915 durante o Protetorado Francês. Abriga uma excelente coleção de artefatos marroquinos tradicionais, incluindo cerâmica de Fez (especialmente a cerâmica azul), madeira entalhada, tapetes antigos e instrumentos musicais. O jardim andaluz do palácio é um oásis de tranquilidade.
    Dar Batha Museum, foto R Prazeres em dreamstime.com

    • Estado Atual: Muito bem preservado e aberto ao público como museu.

    3.14. Mesquita Al-Andalus

    • Construção: Fundada em 859 d.C. por Mariam al-Fihri, irmã de Fatima al-Fihri (fundadora de Al-Qarawiyyin).
    • Governantes na Época: Dinastia Idrisid.
    • Importância: Uma das duas mesquitas originais fundadas no século IX em Fez, servindo o bairro dos imigrantes de Al-Andalus (Península Ibérica). Embora muitas vezes ofuscada pela Al-Qarawiyyin, é historicamente significativa como parte do projeto de Idris II de criar uma cidade próspera e diversificada.
    Mesquita dos Andalusinos, foto de Mx. Granger,
    em wikipedia commons

    • Estado Atual: É uma mesquita ativa. Não muçulmanos não podem entrar na sala de orações principal, mas podem ver o exterior.


    3.15. Palácio Real de Fez (Dar al-Makhzen)


    Palacio Real de Fez, foto © Leonid Andronov em dreamstime.com

    Construção: A construção original data do século XIII (período Merínida), mas o complexo foi extensivamente ampliado e embelezado ao longo dos séculos pelas dinastias seguintes, especialmente pelos Alaouites.

    Governantes na Época: Dinastia Merínida (original), Dinastia Alaouite (expansões e atual).


    Portas douradas no Palácio Real de Fez, foto © Luisa Puccini em dreamstime.com


    Importância: É uma das residências oficiais do Rei de Marrocos em Fez. Embora não esteja aberto ao público, suas sete portas monumentais, ricamente ornamentadas com bronze, zellige e madeira de cedro, são um espetáculo à parte e refletem a grandeza da monarquia marroquina.

    Estado Atual: O interior é restrito ao público, mas os visitantes podem admirar os magníficos portões do lado de fora. É um marco impressionante da arquitetura real marroquina.

    3.16 - Medina de Fez


    A Medina de Fez, Fes el-Bali, é um dos tesouros urbanos mais extraordinários do mundo islâmico, um Patrimônio Mundial da UNESCO e, sem dúvida, o coração pulsante da cidade. É a maior área urbana sem carros do mundo, um labirinto medieval que continua a funcionar como há séculos.

    Medina de Fez, foto HistoriacomGosto


    A Estrutura e o Labirinto das Ruelas

    A medina de Fez não é apenas um mercado, é uma cidade dentro de uma cidade. Estima-se que existam mais de 9.000 ruelas e becos que se entrelaçam e se ramificam, alguns com apenas a largura de um burro. A navegação sem um guia ou um bom senso de orientação é quase impossível. Muitas dessas ruelas são becos sem saída, enquanto outras levam a pequenas praças com mesquitas, fontes ou fondouks (antigas estalagens para comerciantes).

    Rua estreita, antiga medina, Fez,
    foto HistoriacomGosto

    A ausência de carros é um dos seus maiores encantos e desafios. O transporte de mercadorias é feito por burros, mulas e carrinhos de mão, adicionando um elemento pitoresco e autêntico à experiência.

    Tipos de Comércio e os Souks Tradicionais


    O comércio na medina é altamente especializado e tradicionalmente organizado em souks (mercados) dedicados a um tipo específico de produto ou ofício. Ao caminhar, você passa de um souk para outro, sentindo as mudanças na atmosfera, nos cheiros e nos sons:

    • Souk dos Artesãos: 

      • Couro (Curtumes Chouara) / Têxteis (Souk des Teinturiers): 
      • Tecidos e Vestuário / Metal (Place Seffarine) / Cerâmica 
      • Madeira / Tapetes  
    Loja de tecidos e vestuário,
    foto HistoriacomGosto

    • Souk de Alimentos:

      • Especiarias  / Frutas Secas e Doces / Azeitonas: 
      • Padarias / Açougues e Peixarias

    • Vendedor de pêssego, Medina de Fez,
      foto HistoriacomGosto

    • Souk de Serviços:

      • Barbeiros, Alfaiates, Ferreiros:  
      • Farmácias Tradicionais (Herboristas) 

    Comércio local e Turístico

    A Medina é  o centro comercial para os residentes de Fez. Não é apenas dedicada aos turistas. Os moradores vêm diariamente para comprar alimentos frescos, suprimentos domésticos e roupas. As transações entre os próprios comerciantes e artesãos também formam uma parte substancial da economia. Aliando-se isso ao comércio de turismo é o que mantém vivo esse tipo de comércio tradicional

    3.17 - Os Banhos Públicos ou Hammams


    Origem e Tradição
     
    Os banhos públicos, ou hammams, são uma parte integrante da vida social e cultural de Fez e de todo o Marrocos, com uma história que remonta a séculos. Eles não são meros locais de higiene, mas sim espaços de socialização, relaxamento e rituais que se mantêm vivos até hoje.

    Banho público em Fez, foto HistoriacomGosto


    Eles são frequentados por ambos os sexos, mas com uma clara separação para manter a modéstia e a privacidade. Eles tem espaços separados ou mantem horários distintos para cada sexo. 

    Em muitos hammams, especialmente os públicos, você pode contratar um kessala (mulher) ou tellak (homem) para te auxiliar no banho. Eles são os profissionais que aplicam o sabonete, esfoliam seu corpo com a kessa e lavam seu cabelo. O que parece intrusivo para nós ocidentais é amplamente aceito na cultura deles.

    Banho público em Fez, foto HistoriacomGosto


    Em Fez é possível encontrar os Hammams públicos e outros privados em hoteis ou locais turísticos. 


    4. - Considerações adicionais


    Comparado com Marrakech, Fez é uma cidade mais tradicional. Voltada a ser a guardiã das tradições religiosas, também a sua medina é  uma medina mais "viva" e "funcional". Enquanto Marrakech é mais encenada para o turismo, Fez mantém mais de sua rotina diária tradicional. Você vê mais artesãos trabalhando e menos vendedores apenas esperando turistas.

    A tradição dos hammams no Marrocos tem suas raízes na cultura romana (termas romanas) e foi profundamente influenciada pela cultura islâmica. Com a expansão do Islam, os banhos públicos se tornaram essenciais, não apenas pela higiene pessoal, que é valorizada religiosamente (a pureza ritual é fundamental para as orações), mas também como centros sociais.

    Em Fez, a construção de hammams acompanha a fundação e o desenvolvimento da cidade desde os tempos da Dinastia Idrisid.



    5. Referências


    Wikipedia - Fez e suas localizações

    Chat Gpt - Pesquisa sobre Fez

    HistoriacomGosto - Notas, fotos  e impressões de viagem

    Dreamstime.com e Wikipedia - Fotos quando especificadas



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